terça-feira, 6 de julho de 2010

Brasil Autogestionário

Entrevista exclusiva
Arildo Mota
presidente da UNISOL Brasil

O Brasil Autogestionário participou da IIª Conferência Nacional de Economia Solidária – IIª CONAES como delegado do Rio Grande do Sul, na conferência em conjunto com outros coletivos, empreendimentos e pontos de cultura, participou da cobertura compartilhada da CONAES.

Neste evento realizamos entrevistas com representantes de entidades e movimentos nacionais que compõe o movimento da Economia Solidária. Esta primeira entrevista que publicamos é com Arildo Mota Lopes (na foto), presidente nacional da UNISOL Brasil.

Arildo é Paranaense, foi bancário, torneiro vertical, dirigente sindical do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, é sócio cooperado da UNIFORJA, onde exerce a função de assistente administrativo. Trabalha há 23 anos na cooperativa e atualmente exerce a presidência nacional da UNISOL.

A UNISOL Brasil, criada em 2004, é uma entidade de apoio e representação de empreendimentos econômicos solidários, de abrangência nacional. Ele é integrante da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, do qual participa desde 2006 e também é membro do Conselho Nacional de Economia Solidária e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Lula.

Como presidente de uma das entidades criadoras do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e integrante do Conselho Nacional de Economia Solidária, qual sua avaliação sobre o movimento social da Economia Solidária hoje?

Eu o vejo como um movimento crescente que tem uma identidade, entretanto, falta uma organização mais coesa. É um movimento ainda muito interno. A sociedade brasileira em geral acha que o movimento da Economia Solidária é um movimento assistencialista, embora saibamos que esse é um movimento que trata da inclusão produtiva dos trabalhadores e trabalhadoras. Ele se organiza hoje através dos fóruns que são espaços de articulação, formulação, aglutinação, mas ainda estamos no início da estruturação desse movimento social da Economia Solidária, ainda temos muitos passos a percorrer. Por ser um movimento que é formado por outros movimentos (sindical, sem terras, ecologistas, mulheres, etc) é ainda muito disperso. Muitos trabalhadores que fazem economia solidária não se reconhecem como parte do movimento da economia solidária, mas sim do seu movimento específico. Por isso creio que ele ainda precisa criar corpo, crescer.

A partir dessa caracterização qual a perspectiva para o movimento?

Acho que as perspectivas são muito boas, mas o nosso primeiro grande desafio é a questão da identidade, onde ainda temos um longo caminho a percorrer. A agricultura familiar é um exemplo disso, os agricultores familiares fazem economia solidária, mas muitos não se reconhecem ainda como parte do movimento da economia solidária. A própria Unisol Brasil surge com apoio da CUT, do sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nós viemos do sindicalismo Cutista e muitos de nós ainda se identificam mais como sindicalista do que como empreendedores solidários. Mas isso é um processo. Essa é a diversidade que existe no movimento que ainda impede uma identificação de muitos setores que fazem na prática essa economia coletiva e solidária. Mas acredito que todos esses empreendedores, independente do movimento a que pertençam hoje, mas que fundamentalmente produzem de maneira coletiva, em breve, estarão engrossando o movimento da economia solidária.

O FBES por sua própria definição se apresenta como um instrumento do movimento da Economia Solidária. Em sua opinião, ele está cumprindo esse papel?

Eu faço parte do Fórum e do Conselho Nacional de Economia Solidária. Elas são instâncias muito distintas. O Fórum é um espaço, de âmbito nacional, onde os empreendimentos solidários, as entidades de apoio e gestores se reúnem para debates, reflexões, mas não tem um caráter deliberativo. É um espaço aglutinador, mas que não traça tarefas concretas para cada um dos seus integrantes. Por isso digo que o fórum tem um papel fundamental, mas temos que tomar muito cuidado para onde ele se direciona para não suprimir as forças políticas e sociais que o compõe.

Quais têm sido os principais limites do FBES?

Hoje o fórum ainda é muito dependente do Estado, ele ainda não é sujeito autônomo como acreditamos que deve e pode ser. Qualquer organização que fica muito dependente do Estado tem limitações para encaminhar políticas estratégicas, ou seja, para avançar ainda mais. Avançou-se bastante em relação à aglutinação e ao debate com as bases sociais. Ele tem um papel fundamental nesse sentido, mas nos encaminhamentos temos muito que avançar. Há diversidade dentro do Fórum e isso nós temos que respeitar. Por exemplo, alguns defendem que Economia Solidária tem que ser pautada prioritariamente pela linha assistencial. Eu discordo disso, acho que temos que buscar o crescimento dos empreendimentos, tornar esses trabalhadores solidários e gestores de experiências exitosas e conquistar uma fatia do PIB brasileiro, ser prioritariamente alinhado com o desenvolvimento econômico e social de nosso país e de nossa sociedade. Para isso precisamos dimensionar melhor quantos somos, o que e quanto produzimos, o que representamos para a geração de trabalho e renda e quanto nós representamos do PIB do país. Porque os recursos públicos, as políticas públicas são um espaço de disputa política e quem estiver mais organizado vai conseguir mais conquistas para os seus representados.

E como a UNISOL como uma das entidades que participa do movimento está fazendo esse debate?

Nós temos nossas pautas próprias que articulamos com outros movimentos, universidades e parceiros. Nós dialogamos com as entidades que na sua base praticam o cooperativismo e o associativismo. Pautamos nossa relação com o governo em conjunto com essas entidades. Com os empreendimentos organizados na UNISOL nós discutimos as diretrizes e posições estratégicas pra avançar na Economia Solidária. Essa é a forma de contribuirmos com o debate nas bases sociais do movimento. A UNISOL Brasil tem buscado a cada dia maior organicidade com a sua base de filiação, potencializando iniciativas desenvolvidas pelos empreendimentos no sentido da criação de redes e atuação dentro de cadeias produtivas, acesso a mercados, acesso a crédito, formação e construção de parcerias institucionais visando o incremento da renda dos trabalhadores e trabalhadoras envolvidos.

Na década de 90 muitos sindicatos contribuíram com o crescimento da Economia Solidária, principalmente com o apoio dado as experiências de recuperação de empresas através da autogestão dos trabalhadores. Atualmente como está a relação do movimento sindical com a Economia Solidária?

Nós avançamos muito no campo dos sindicatos cutistas no Brasil. Se nós olharmos as últimas deliberações dos congressos cutistas, eles saíram de uma visão assistencialista sobre Economia Solidária, para uma visão de desenvolvimento, ou seja, uma melhor compreensão do papel dos empreendimentos de economia solidária na estratégia de desenvolvimento econômico e social do país, para inclusão produtiva dos trabalhadores e trabalhadoras na forma autogestionária e coletiva. Isso não é pouca coisa. E nós conseguimos fazer esse debate na CUT, por dentro dos seus sindicatos, a partir da Agência de Desenvolvimento Solidário, a ADS - uma entidade ligada a CUT, com a qual a UNISOL tem uma parceria muito forte. Discutimos a importância de incluir economicamente milhares de trabalhadores. Demonstramos que existem outras formas de gerar trabalho, renda, dignidade e inclusão social da forma que nós escolhemos, que é a forma do associativismo e do cooperativismo.

Portanto, muitos sindicatos cutistas já têm na sua pauta de prioridades no tema da economia solidária. Se antes a ação dos sindicatos, por exemplo, era somente nos locais de trabalho, através das Comissões de Fábrica, agora o debate que estamos fazendo é do sindicato cidadão, onde ele deve intervir no meio em que vivem os trabalhadores, no seu município, na sua região, para trazer milhares de trabalhadores para a inclusão produtiva e para fazer esse debate de que existem modelos de Estado e de economia em disputa. Esse é o debate que vem crescendo nos sindicatos cutistas, e cabe a nós, ex-sindicalistas, como no meu caso, ampliá-lo.

Eu sou trabalhador da UNIFORJA, uma Cooperativa de 2º grau, que fica em Diadema. Nós tivemos todo apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Hoje ela gera 500 postos de trabalho, distribui renda de forma indiscutível para os trabalhadores e trabalhadoras, mas nós não perdemos a condição de sócios do sindicato. Portanto, o sindicalismo brasileiro, que já viu fecharem milhares de empresas, tem que ter esse compromisso de onde estiver quebrando uma empresa, onde tiver oportunidade de gerar um negócio novo, não pode perder a chance de gerar trabalho e renda a partir da autogestão. E esse é o grande salto que a CUT está dando para a Economia Solidária no Brasil.

Como você avalia o atual estágio de organização dos EES?

Conforme o mapeamento dos empreendimentos solidários, realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, SENAES, do governo federal, hoje temos mais de 22 mil empreendimentos, somando em torno de dois milhões de trabalhadores na Economia Solidária, mas que ainda estão muitos na informalidade e dispersos na questão da representação, onde só 10% estão em alguma organização. Nesta IIª Conferência Nacional da Economia Solidária, CONAES, apontamos para a criação de uma Lei Geral e um sistema nacional que contribuirá muito para a formalização de diversos empreendimentos. Para isso precisamos de um novo marco regulatório adequado às realidades que vivemos e a expectativa de crescimento dessa economia solidária.

Um dos gargalos da Economia Solidária é o financiamento. Ao contrário das empresas privadas que têm facilidades para acessar créditos e financiamentos públicos, a ES ainda está à margem de recursos públicos. Em sua opinião, como é possível avançar nesta questão? E qual a possibilidade de acesso aos fundos públicos já existentes?

Nós temos um problema com os marcos regulatórios, ou seja, as leis que regulam o cooperativismo e a Economia Solidária. A lei existente do cooperativismo é de 1971, uma lei arcaica e ultrapassada, que está totalmente desatualizada para o atual momento que nós vivemos. Então em relação à questão de leis de fomento à Economia Solidária nós precisamos avançar bastante. Temos a Lei do Cooperativismo de Trabalho e esperamos que o congresso vote e o governo Lula sancione ainda nesse mandato. Isso vai fazer com que avancemos muito. Em relação aos fundos nós não temos nada ainda. Temos o PRONAF para a Agricultura Familiar, mas para a totalidade da Economia Solidária não. Podíamos ter avançado mais nesse sentido.
Em relação aos fundos estamos engatinhando. Nós da UNISOL estamos construindo um fundo próprio, é um meio de não ficarmos tão dependente de recursos públicos ou instituições financeiras privadas. Nós estamos fazendo o debate com toda força que temos. Podemos afirmar que no governo Lula foram criados vários programas importantes, mas que ainda não se tornaram políticas de Estado. Portanto, no final deste governo nós temos um desafio que é fazer todo esforço possível para tornar esses programas em políticas de Estado.

A pauta principal da Iª Conferência Nacional de Economia Solidária realizada em 2006 foi “Economia Solidária como Política de Desenvolvimento”. Passados quatro anos o movimento avalia que mesmo com as políticas implantadas pelo atual governo, essa pauta ainda permanece em aberto? Qual sua avaliação deste período no que tange as políticas públicas e o desafio da ES avançar para além de uma política de caráter assistencial?

Em primeiro lugar nós precisamos centralizar as políticas públicas de Economia Solidária, tudo que se avançou neste governo, em vários ministérios, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), nós precisamos regulamentar, tornar lei, porque se entra outro governo, com outra concepção, ele pode acabar com o programa. Em segundo lugar, o Brasil, no governo Lula, gerou mais de 12 milhões de postos de trabalho, isto é importante para o país e estamos contentes com isso, mas vamos olhar para as micro e pequenas empresas, as empresas familiares, os micro-empreendedores individuais. Nós temos leis como à do SIMPLES e do MEI (Micro Empreendedor Individual), mas muitas pessoas preferem se organizar enquanto associação, cooperativa para ganhar escala, seja na compra, na venda ou na distribuição, mas para isto precisam de apoio de políticas públicas e de um marco regulatório também. O que nós estamos dizendo é que é possível organizar empreendimentos econômicos solidários partindo do zero, que ao invés de viabilizar apenas micro e pequenos empreendimentos, também se deve viabilizar a economia da solidariedade, que hoje já é uma realidade para milhares de trabalhadores e trabalhadoras em todo o país, e que tem um imenso potencial para ser ampliada .
Qual o caminho para avançar no sentido de consolidar a Economia Solidária como um projeto de Desenvolvimento Econômico, qual a estratégia?

Temos que colocar esse tema dentro do programa dos partidos progressistas, enquanto política estratégica de desenvolvimento econômico e social. O Brasil pode gerar milhares de postos de trabalho. É possível organizar novos empreendimentos, seja de catadores até empresas que possam produzir bens de consumo duráveis, de inovação tecnológica. O problema é que desde jovens nós somos estimulados a trabalhar para o grande capital ou para o Estado, temos que quebrar esse paradigma, mudar a cultura, criar as empresas autogestionárias, gerando tributos para o Estado que reverte isso em bem estar para a sociedade, além do principal: agregar valor ao trabalho e distribuir a riqueza de nosso país, que é grande e pessimamente distribuída. Nós acreditamos que a melhor forma é o cooperativismo e a prática da autogestão. Nós da UNISOL estamos debatendo desde a esfera local até a nacional, colocando como pauta estratégica essa discussão da ES como política econômica e não como política assistencialista.

Creio que esse é o caminho, o movimento da Economia Solidaria está crescendo, mas as entidades têm que ter uma pauta única e estratégica, como já se está fazendo em relação ao Marco Regulatório, mas precisamos pensar nos próximos dez, vinte anos. Onde nós estamos e para onde nós queremos chegar. É possível geral trabalho e renda de forma associativa, não apenas no formato das empresas quebradas. Hoje temos novos espaços e novas possibilidades na economia que pode e deve ser ocupada pela Economia Solidária.

Em sua opinião qual deve ser a postura do movimento da Economia Solidaria neste período eleitoral que é uma oportunidade de debater projetos para o país?

Temos que ter lado nessa disputa e temos que pautar nossas demandas com antecedência. Precisamos definir quais são nossas bandeiras de luta e como podemos modificar a vida da população brasileira de baixa renda ou excluída socialmente e/ou economicamente. É importante termos claro o que está acontecendo no Brasil hoje, os avanços que tivemos com o governo Lula na área econômica e na área social. Tornamo-nos uma referência internacional. Em relação a projetos é necessário avançar, precisamos constituir um Sistema Público de Economia Solidária, termos um Fundo Nacional para o setor, uma Lei Geral de ES, ou seja, um conjunto de políticas públicas para viabilizar os EES. Também devemos respeitar a transversalidade da Economia Solidária, para isso será fundamental mudar o modo como o tema é tratado no governo federal, que acreditamos deveria ser centralizado, ou seja, as políticas devem estar concentradas em um ministério próprio ou uma secretaria especial ligada à presidência.

Entrevista conduzida por:
PAULO MARQUES / BRASIL AUTOGESTIONÁRIO

Foto: PAULO MARQUES

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