quinta-feira, 24 de junho de 2010

Algumas notas...

...a propósito do tema do envelhecimento, da reforma e da “sustentabilidade da Segurança Social (SS)”,
lançado pelo Leston Bandeira*

O objectivo da mafia socratóide e dos seus congéneres europeus, com o alargamento da idade da reforma, é duplo. Um, é aumentar o tempo de trabalho e de descontos, com benefícios óbvios para o lucro dos patrões e para a receita da SS; o outro, é reduzir o tempo de vida com pensão de reforma com a inerente redução de custo para a SS. Isto é, pretende-se aumentar a “rendabilidade sistémica” de cada trabalhador enquanto beneficiário da SS; e aumentar o seu contributo social, engordando o capitalista.

Os sistemas de SS nasceram no tempo da mão de obra intensiva, e de uma, comparativamente baixa incorporação de capital no produto, pelo que a relação entre a massa salarial e o volume da produção era bem mais elevada que hoje. Com a intensificação da incorporação de capital no processo produtivo e, sobretudo, com o enorme crescimento do valor introduzido pelo trabalho humano (qualificações), a produtividade aumentou muito e isso não se reflectiu totalmente nos níveis saláriais.

Daí que existam muitas empresas com reduzido volume de trabalhadores e enorme stock de capital e/ou volume de vendas cujo contributo para a SS é baixo, comparativamente ao de outra empresa com igual volume de vendas mas muitos mais trabalhadores. Que ninguém se admire, por estas e outras razões, que os capitais prefiram reproduzir-se onde a incorporação de trabalho seja menor - especulação, imobiliário, sector financeiro, intermediarismos vários…

É conhecido que uma das formas de melhorar o desempenho da SS passa por onerar o volume de vendas das empresas ou o valor do seu imobilizado, como forma de compensar o enorme crescimento do trabalho não pago incorporado no valor dos bens e serviços produzidos, nomeadamente nas empresas que têm pouca mão de obra.
(ver desenvolvimento em: http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/6897.html e http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/7124.html)

O problema da SS portuguesa não é tanto o aumento de custos relacionado com a maior longevidade. Por exemplo, o custo dos subsídios de doença está estagnado há muitos anos. Há um subfinanciamento crónico com várias origens:

A desregulação dos vínculos laborais permite que muito trabalho efectivamente prestado seja remunerado com a entrega, pela empresa, de carro ao assalariado, com o usufruto de cartões de crédito, férias, seguros etc. Com esse esquema legalizado há muito pelo PS/PSD, a empresa não fornece a parcela correspondente para a SS; o trabalhador fica com o rendimento para IRS mais baixo e odesconto para a SS anulado nessa fatia objectiva do seu salário pago em espécie. Só mais tarde pensará que tudo isso terá reflexos no nível da pensão de reforma mas, entretanto tem carrinho “de borla”(?)

Um carro de gama média com combustível, seguros, etc não custa a uma empresa menos de €500/mês ou 6000/ano; isto é aproximadamente € 2100/ano que a SS não recebe por cada trabalhador com popó. E são muitos.

A dívida das empresas que não pagam à SS é enorme e cresce todos os anos enormemente:

“De acordo com a Conta da Segurança Social incluída nos relatórios das Contas do Estado, extraem-se os valores seguintes com os quais se podem construir relações muito instrutivas:

O saldo bruto das contas com saldo devedor de cobrança problemática cresceu em 2008, 48.5%, revelando, por um lado, a continuidade da prática tradicional dos dignos empresários lusos utilizarem o dinheiro dos trabalhadores como financiador das suas actividades, como substituto fácil do auto-financiamento que não gostam de fazer ou do financiamento bancário, caro ou inacessível. Por outro lado, demonstra a tolerância e a conivência do gang governamental que procura ridiculamente mostrar sempre resultados na caça aos contribuintes relapsos, que a realidade desmente. Aquela dívida acumulada, em 2008, corresponderia a 1.87% do PIB e teria deixado, se cobrada, o deficit ficaria reduzido a uns poucos 0.3%.”
(http://www.scribd.com/doc/27972404/Capitalistas-e-Estado-A-Mesma-Luta)

No entanto, a propaganda não se cansa de afirmar que o governo recuperou muitos milhões; claro que nunca comparam o que recuperaram com a nova dívida que surgiu. E, entretanto lançaram recentemente o enésimo plano de recuperação de dívida…

Por outro lado, é de questionar a aplicação que se faz das reservas financeiras da SS, nomeadamente em títulos do tesouro e em títulos de empresas. Há dois anos, com o estoiro do BPN, a SS apanhou um susto pois tinha lá colocadas umas centenas de milhões de euros. Melhor seria que essas reservas fossem investidas em habitação social, com efeitos reprodutivos evidentes, utilidade social e factor de travão da especulação imobiliária.

Para finalizar uma evidência que a esquerda portuguesa ignora: a indevida integração da SS no conceito alargado de Estado, como se fosse autarquia, região autónoma, direcção-geral ou serviço autónomo.

A SS constitui o fundo de pensões e de apoio mútuo dos trabalhadores portugueses para várias eventualidades e que, para isso, descontam o valor das contribuições nos seus salários.

Os descontos para a SS são verbas consignadas a um fim específico e não podem ser considerados como rendimento genérico do Estado como acontece com os impostos, aplicáveis pelos governos, em submarinos, escolas, ou carrões para corruptos. Se assim fosse, o governo deveria incluir e dispor igualmente dos valores que os trabalhadores descontem para fundos de pensões privados.

Compete à esquerda lutar pela desconexão da SS da gestão do Estado, para evitar que as reservas financeiras dos trabalhadores para fazer face, nomeadamente, às eventualidades de aposentação e doença sejam desviadas, pelos gangs governamentais, para o financiamento do deficit criado pelo apoio aos banqueiros e às mota/engils, para dotar as empresas de competitividade (?) com a redução das taxas de descontos para a SS ou, para colocar quadros partidários acéfalos na gestão do dinheiro dos trabalhadores.

Veja-se este exemplo gritante de desvio de dinheiro da SS protagonizada por um tal Cavaco Silva:

“Mais, Cavaco, não cumpriu a lei de bases da segurança social, aprovada na AR pelo seu partido em 1984. E esse incumprimento (não transferência do OE de despesas não cobertas por contribuições) até 1995, descapitalizou a Segurança Social em 6017 M€, o equivalente às receitas de um ano (1993). Cavaco foi portanto um dos cabouqueiros que trabalharam para justificar o assalto de Sócrates aos bolsos dos trabalhadores e ex-trabalhadores”( ver o desenvolvimento em: http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/7455.html)

Os regimes cleptocráticos têm destas coisas. Se alguém se locupletar a €1000 que lhe não pertencem, tem problemas com a justiça. Um governo inteiro, dá descaminho a mais de 6000 M e o seu chefe ainda chega a PR.

Vitor Lima
Foto: JJ LUZÍA HENRIQUES

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