quarta-feira, 30 de junho de 2010

A esquerda morreu! Viva a esquerda!

À tese da crise objectiva do capitalismo, declarada por ele próprio, no fim do ano de 2008, seguiu-se a prova de que nenhuma ideia de esquerda sobejou do colapso da ex-URSS. Repararam na satisfação com que tanto cretino (à esquerda e à direita) se lembrou de dizer o óbvio: que Karl Marx afinal sempre teria tido razão? O que não disseram foi que o Marx foi um revolucionário a surfar uma revolução. Mas o que fazer quando não há revolução na rua e se quer ser de esquerda?

Distraído como sou, imaginei que a queda do muro de Berlim significasse para o debate de ideias uma libertação. Na altura tudo estava condicionado: ou se era a favor do capitalismo ou a favor do socialismo, como se apenas existissem duas ideias correspondentes a duas realidades (o que era manifestamente estúpido, mas era assim que se pensava, seja o vulgo sejam os cientistas sociais). A liberdade, porém, não é o estado natural das sociedades abandonadas a si próprias. Caso não existam movimentos de libertação não há liberdade. E o que temos visto na era pós-colonial são movimentos de libertação – muito associados a processos de individuação, lá onde haja condições para tal – a que também chamamos (erradamente) movimentos sociais (por vezes sociedade civil, solidariedade, etc.) mas fora de qualquer perspectiva socialmente revolucionária.

Em Portugal, em particular, a perspectiva de emprego já não é uma perspectiva de trabalho. Como se costuma dizer, os portugueses recusam-se a fazer certos trabalhos e, portanto, recusam-se a sacrificar-se pela sociedade, com o risco de perderem um pouco o sentido das realidades, de tal maneira as realidades são encobertas com camadas de informação.

Alguém dizia que caso Portugal queira ou seja obrigado a sair do euro o valor das mercadorias no País seria imediatamente reduzido a um terço (ou mesmo um quarto) do valor actual. O que quer dizer que a nossa estadia no Euro fez crescer especulativamente o valor à nossa disposição por 3 ou 4 vezes, de que alguns espertalhaços aproveitar mais que os outros. Mas afinal a economia, numa grande medida, é política e poder em estado puro. O poder de a zona euro aceitar lidar com os portugueses (e com cada um dos outros países) lá para os fins económicos que entendem ser bons para quem lá mande naquilo. Ora, será a esquerda capaz de dizer aos portugueses como se devem comportar em tais circunstâncias? A mim parece-me que não. Porque os portugueses, apesar da falta de educação, não são parvos, como nenhum povo no mundo. E compreende muito bem ser verdade aquilo que a direita lhes diz: “nós somos do primeiro mundo!” As expectativas de vida que a generalidade dos portugueses imaginou em jovem foram em grande medida ultrapassadas pela realidade.

Nos países europeus mais habituados a viverem no centro do capitalismo, onde as expectativas de vida são decrescentes faz pelo menos vinte anos, a reacção dos povos à situação actual também não é revolucionária. A crise objectiva – isso é mais que evidente – não produziu numa crise subjectiva. Verificado isso mesmo, passados alguns meses após a declaração oficial da crise, a direita volta ao ataque e impõe a continuação e aprofundamento da política anteriormente seguida. Porque haveriam de mudar ou sequer puxar pela cabeça se não têm oposição.

Ser de esquerda, nos dias de hoje é um pouco vergonhoso. Por isso os jovens preferem ser de direita, da mesma maneira que muitos “gostam” do Benfica. Tal partido vem de mais longe, tem mais tradição e está a ganhar os campeonatos. Por isso, também, encontramos na actividade cívica e política barreira geracionais importantes, que implicam a necessidade de um trabalho em profundidade à esquerda, sobretudo na crítica teórica e também na prática de mobilização, para poder vir a ter possibilidades de mudar de rumo algum dia.

O estado a que a esquerda chegou está bem patente nas eleições presidenciais que aí vêm: o antigo candidato dos “movimentos sociais” tornou-se o defensor do desacreditado Sócrates, na esperança de o PS voltar a ser um partido com ambições à esquerda. A esquerda propriamente dita, essa, está fora de jogo. Perdoem-me os comunistas por não os meter nesta equação, mas a minha ambição para a esquerda é a de assumir a governação, caso venha um dia a saber o que fazer em tal posição.

António Pedro Dores

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